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Sociedade narcísica

Na nossa atualidade existe uma importante demanda no que diz respeito ao enaltecimento do ego e que muitas vezes resulta no adoecimento narcísico, com as pessoas mais preocupadas em serem aceitas e vangloriadas do que em se conhecerem internamente. E, ainda assim, por mais bajuladas que sejam, jamais se sentem plenamente satisfeitas, como se sempre faltasse algo.

Como resultados emocionais, o que mais vejo nos consultórios psicológicos são pessoas com as seguintes queixas:

????Agitação excessiva e ansiedade frente ao novo

????Estados de letargia progressivos por não se sentirem capazes de compactuar com as expectativas do momento

????Angústia, solidão e medo da rejeição

????Sentimentos de vazio existencial

Para muitos, o que aparece na superfície são os sentimentos ilusórios de pertencimento, poder, autoestima e aceitação que sobrevém em meio a estados de extrema excitação. Fogem e evitam ao máximo entrar em contato com sentimentos difíceis e, em seus mecanismos de compensação, acabam funcionando como pessoas altamente competitivas. Afastam-se do universo das sensações, através do qual poderiam vislumbrar o encontro consigo mesmos, apenas lançando-se para o que julgam ser sensacional. Na falta de espaço para a manifestação de um "self" genuíno, tudo se transforma num imenso show narcísico em nome de se camuflar o que possa representar fracasso, angústia, ansiedade, frustração ou tristeza. O autoconhecimento, no entanto, ajuda a sair do raso e a buscar um sentido legítimo para a vida e para si mesmo.

????Quanto mais despertos, melhor!

Silvia Malamud

A trama psicológica das mães narcisistas

Saber que se tem uma mãe narcisista não é simples e nem fácil de se conceber. Entender que toda a necessidade de acolhimento e confiança que se busca na mãe está comprometida é avassalador. A parte mais dolorosa é quando se ganha consciência dos maus tratos - que muitas vezes nem velados são.

As vítimas deste tipo de convivência diariamente recebem críticas, desqualificações, intolerância e agressividade, independente do esforço que possam fazer para acertar. Um dos filhos sempre será tido como o filho de ouro, aquele que sempre é o protegido, visto como o melhor de todos e a quem tudo é desculpado - aliás, nada do que ele faz é observado como errado. A filha vítima, por sua vez, sempre será a que não se encaixa em nada, o bode expiatório de tudo o que pode dar errado e que não presta. Pela competição dessa mãe narcísica, voltada para si mesma, geralmente uma filha do sexo feminino é a escolhida para cumprir com este papel.

Como as mães narcisistas perversas enjaulam as suas crias dentro de um script bastante preciso, toda vez que suas filhas começarem a se desenvolver em algo que revele maior autonomia sobre si mesmas, o resultado será uma desqualificação massiva e, como isso costuma ocorrer desde crianças, imaginem como essas filhas ficam inseguras e com a autoestima totalmente fragmentada! Quando saem para o mundo, podem acabar tendo comportamentos duais onde ora tendem a atender todos os desejos do outro, ora sentem a necessidade de se protegerem com receio da perda total da identidade.

Algumas vítimas chegam ao meu consultório extremamente ansiosas e muitas delas com diagnósticos equivocados. Quando a trama é revelada, na maioria das vezes não há acordo sobre a veracidade do tema, sendo que o filho que está mais desperto necessita de auxilio terapêutico para se desintoxicar e não cair no conto de que é ingrato ou que estaria ficando louco. Tanto o teatro da vitimização dessas mães quanto o da acusação são extremamente agressivos e potentes.

O caminho de reparação e de cura emocional acontece na medida em que a compreensão total da trama vai sendo revelada. Por mais inacreditável que possa parecer, as vítimas quando despertas compreendem o quanto sempre foram fortes e, a partir desta percepção e de um bom trabalho terapêutico, passam a ter mais autonomia sobre si mesmas, aprendendo a fazer boas escolhas e seguindo pela vida em meio a outros mapas existenciais. Por mais sofrimento que tenham passado ou que ainda possam estar passando, existem todas as chances de que uma recuperação total ocorra, com real possibilidade de se virar a página.

????Quanto mais despertos, melhor!

Silvia Malamud

Quando um manipulador narcisista perverso percebe que a vítima ficou consciente, primeiro começará a se rebelar ameaçando sair da relação, com o objetivo de assustá-la e acuá-la. Se não surtir efeito, entrará na fase do “volte a dormir”, se tornando tudo o que a vítima sempre quis, agradável e adorável, mas isso não se sustentará e faz parte do círculo vicioso do relacionamento tóxico.

Se você tiver a ilusão de que esse relacionamento poderá melhorar, saiba que tais manipuladores podem ser profundamente malévolos; atravessam a vida cheios de ódio e raiva, mas não contam nem para si mesmos que assim o são, por isso mesmo que de modo obscuro destilam suas piores emoções nos outros. Atente que o que diferencia um narcisista perverso de um narcisismo “normal” será sempre o nível de sadismo e crueldade implicado nas relações.

Sobre a origem da construção da personalidade dos narcisistas psicopatas, as respostas variam. Alguns autores vão colocá-los na conta de situações de incesto vivenciadas concreta ou ilusoriamente, ou fruto de uma relação perversa com um pai, irmão ou irmã. Independente de como ou do porquê se tornaram o que são, não é possível de se tratar terapeuticamente esses indivíduos por várias razões.

Em primeira instância, porque eles não estão buscando ajuda. São orgulhosos do que são e não reconhecem que tem um problema. Seu sistema de crenças não está preparado para aceitar críticas e, em terapia, jamais assumem suas parcelas de responsabilidade. Quando um manipulador desta ordem vai para a terapia, continua agindo de forma manipuladora, com a ilusão de que vai mudar. Via de regra, começam e cancelam poucas sessões depois.

????Quanto mais despertos, melhor!⠀

Silvia Malamud⠀

Fontes de referência: Le témoignage de Marie Murski, victime d'un pervers narcissique. Le récit de Vincent P., qui a vécu 7 mois avec une femme manipulatrice.

A série MAID, da Netflix

[Contém spoiler]

A série Maid (Netflix) conta sobre um dos piores e mais devastadores tipos de abusos, atualmente consagrado tanto pela psicologia como pela psiquiatria como uma violência silenciosa e de difícil detecção.

A protagonista Alex vem de um lar disfuncional, com uma mãe bipolar não diagnosticada e, portanto, não tratada, distante e autocentrada. Ao longo da série, mesmo quando bem intencionada, essa mãe não consegue se conectar com a filha. Em seus surtos de mania, imagina-se como uma grande artista, sem noção da realidade e em negação de seus relacionamentos abusivos. Também podemos observar em sua personalidade um tom histriônico.

Alex, por sua vez, não tem ideia de que tem uma família disfuncional e abusiva. Desenvolve um excesso de zelo, cuidados e empatia com essa mãe, aprendendo a não se posicionar, a não ter desejos próprios e vivendo em função de ser mãe da própria mãe em busca de um pouco de paz e segurança. Ser conivente era a única saída para terem um mínimo de conexão. Os abusos que sofreu na infância se tornaram um modelo de referência de como ser, a ponto de Alex repetir cenários abusivos em seu próprio relacionamento afetivo.

Quando pensamos em transgeracionalidade de traumas e recursos, percebemos a história se repetindo. Alex também foge do lugar de abuso com sua criança, tal como sua mãe, porém busca ajuda, terapia e faz de tudo para ficar lúcida e alcançar seu propósito. Até despertar de fato, Alex só sabia viver e se submeter ao sistema agressivo de onde veio. Sua identidade estava baseada nisso e sentia a possibilidade de ser acolhida por seu abusador, acreditando que ele seria bom.

Abusadores perversos geralmente se sentem bem cuidando de quem está doente. Não à toa, Sean ajudou Alex a resgatar a mãe de um grave surto de mania, quando esta, impotente, nada conseguia fazer. A personagem se encanta com o ex depois de tanto acolhimento, acreditando que tudo poderia dar certo, sem perceber que sucumbia mais uma vez ao mesmo drama.

Algumas pessoas acusam Alex de ser mimada e não ter aceitado a ajuda de Nate, mas ela não conseguiria - estava com traumas severos e muitos gatilhos emocionais. Não sabia receber coisas boas, estava familiarizada com a dor e com o auto sacrifício. Quando algo bom se manifestava, Alex desconfiava, sentia-se confusa e não merecedora. Viveu sob violência doméstica, sofreu, sentiu medo e teve de ficar adulta precocemente.

Vítima de tramas abusivas, não recebeu amor e se via obrigada a oferecer tudo o que tinha de afeto e cuidados para o outro. Quando não fazia isso ou quando o outro não achava ser suficiente, sentia-se culpada, com medo de não receber o mínimo do que o outro tinha a oferecer, um imaginário de "lar quentinho", incapaz de perceber que esse lugar é e sempre foi ela mesma.

A série expõe, ainda, preconceitos e dramas relacionados às diferenças sociais e de classe - em especial na passagem de Alex com uma de suas patroas. As cenas trazem à tona a dificuldade de moradia e mostram como um lar disfuncional dificulta o desenvolvimento e os estudos. Por outro lado, também mostra a resiliência e bondade de uma rede de apoio, tão necessária para o ser humano.

????Quanto mais despertos, melhor!

Silvia Malamud

A vida após se resgatar de um predador emocional

Sempre comento com meus pacientes que anos após o resgate de si mesmos é que irão se dar conta da real dimensão do que passaram enquanto estiveram sequestrados por tais predadores emocionais.

Os resgatados precisam tomar cuidado redobrado para não ficarem ativados em situações que absolutamente nada têm a ver com os fatos ocorridos anteriormente. Inúmeras vezes situações corriqueiras ainda poderão acionar nessas pessoas aceleração cardíaca, angústia, tremores, sensações de queimação na área do peito, barriga, estômago, entre outras. Tudo isso porque os sistemas físicos e a alma ainda não se recuperaram plenamente dos traumas que esse tipo de relação devastadora promove.

Aqui estão alguns breves relatos autorizados de lembranças traumatizadas que pacientes pós-resgate tiveram durante as sessões de reprocessamento em EMDR e Brainspotting - lembrando que essas terapias têm a capacidade de espontaneamente colocar o paciente em várias situações que foram danosas a fim de serem redimensionadas.

Com este tipo de ajuda terapêutica, a inteligência de sobrevivência vai tecendo uma espécie de colcha de retalhos sobre todo o ocorrido, extravasando, ao mesmo tempo em que reescreve as emoções e pensamentos disfuncionais que ficaram nas situações traumáticas. Modifica a compreensão de memórias danosas, fortalecendo e resgatando recursos pessoais até que se chegue na cura emocional.

Cenas que vieram durante o reprocessamento:

"Ele sabia como me desestabilizar. Eu tinha uma urgência muito grande para resolver algo que ele dizia que não era bom no momento, o que ativava meu grande mal-estar. A partir daí, a conversa não fluía mais e eu falava sempre sozinha; eu chorava muito e ele nunca falava nada. Se eu quisesse ir embora dava na mesma. Não fazia questão de sequer me acalmar. Quanto mais ele me deixasse desestabilizada, mais ele gostava. O único jeito era ficar ao lado dele..."

"Quando eu queria ir embora, ele vinha tão bonzinho e carinhoso que eu ficava confusa achando que eu poderia ter sido muito severa. Frequentemente, ele falava e me acusava de coisas que eu não havia feito. No começo me despertou coisas tão boas e depois virou do avesso. Sua presença, preocupação... marcava as minhas consultas para eu ir ao médico. Eu me sentia cuidada quando me dava remédios, mesmo quando ele era tão ruim comigo. Lembranças de momentos difíceis com ele, sensação de impotência e de desespero, desconforto no peito eram constantes. Hoje vejo que ele fazia coisas, às vezes pelo telefone, que eram apenas para me despertar desespero. Por qualquer motivo inesperado, ele mudava drasticamente de humor e dizia: agora não quero mais conversar e não dava mais respostas e isso me deixava ansiosa. Eu tentava ficar quieta esperando passar, pedindo-me para não ir na casa dele e, enquanto falava isso, eu ia colocando roupas numa sacolinha e ia lá... e eu chegava na casa dele e ele com a cara muito feia me dizia: "você veio aqui para conversar? Você é a santa, né? Você não faz nada... " E falava que se eu o obedecesse, eu seria mais feliz. No começo, quando eu ainda tinha forças, dizia que ele era insaciável, que queria alguma coisa que não existe. Com o tempo, fui me calando, adoecendo mais e mais... Não sei como fui cair nisso..."

"Descobri que sempre quis superar expectativas. Quando a pessoa muda estando comigo, o primeiro ímpeto é fugir e o segundo é mudar de atitude, ser mais agradável... e quando funciona tento me adaptar cada vez mais, mas fico magoada. Falo dessa mágoa, mas quando falo é incômodo, eu me adapto e minto para mim mesma. Lembro agora que fazia isso em casa, com a minha mãe... Eram tentativas de não sentir aquilo que estava sentindo, ou porque achava que estava exagerando, ou por medo da pessoa escapar, ir embora e não me amar, faço de conta que a pessoa não está fazendo isso comigo. Quando se trata de alguém muito próximo, eu me vejo escrava. Adapto-me ou abro mão?"

No caso das vítimas, é importantíssimo um processo terapêutico para a total recuperação da vida, como se a pessoa voltasse de uma guerra apenas com o próprio corpo. Quem passou ou está passando por semelhante situação sabe o que isso significa e como todo o tipo de ajuda se faz necessária. Ocorre que todos nós crescemos, mas a nossa máquina cerebral ainda pode estar enviando informações antigas sobre nós mesmos, fazendo-nos agir do modo que não desejamos. Todas as áreas da existência ficam comprometidas quando você não se atualiza. Quando você atravessa a moldura de algum impacto emocional, que usualmente costuma lhe cercar, reprocessa o tempo que deu início a todo este cabedal mudando toda a configuração deste cenário. Pensamentos, sentimentos e crenças, antes mal focadas, conseguem definitivamente realizar o seu fluxo contínuo como se fosse um rio límpido correndo livre, sem desvios ou quaisquer outros 'impedidores'.

Quanto mais despertos, melhor!

Silvia Malamud

"Quero me separar de um narcisista perverso"

Narcisistas perversos são altamente desenvolvidos no aspecto da inteligência, o que os fazem ser quase imbatíveis quando desejam alcançar os seus intentos. Abusam de suas capacidades de manipular, buscando convencer a todos sobre o que quiserem. Por isso mesmo, atenção redobrada ao decidir se separar.

Incansavelmente tentarão ludibriar as pessoas ao seu redor com as suas conversas melodramáticas, dando detalhes sobre o quanto você é mal agradecida ou emocionalmente desequilibrada. São nessas horas que esses mestres da teatralização, de modo articulado e encantador, deitarão e rolarão em cima dos desavisados, podendo mentir, acusar e distorcer os fatos a fim de obterem um olhar de benevolência em relação a eles e contra você.

Narcisistas perversos jamais se percebem errados, mas injustiçados, sendo que isso piora sobremaneira quando existe a ameaça da separação. Ficam extremamente enfurecidos evidenciando o quanto estão determinados a ter a razão a qualquer custo e suas atitudes literalmente irão mostrar que o fim justifica os meios.

Se você despertou, mantenha-se em silêncio até que a sua decisão esteja nas mãos de seus advogados ou que tenha uma estratégia bem concreta para que este movimento de ruptura efetivamente aconteça. Jamais cogite ter uma conversa amigável imaginando que isso poderá facilitar o seu caminho. Como característica patológica deste tipo de personalidade, a compreensão, o respeito e a capacidade de empatia para com o outro são nulos.

Na hora da separação, esteja totalmente lúcida e fortalecida para não cair nas possíveis armações. Todas visarão, a princípio, a sua desmoralização na intenção de recolocá-la de volta num cárcere onde há muito pouco tempo você esteve presa. Quando o predador percebe que não tem mais chance, a sede de vingança o enlouquece mais ainda. Em suas manobras vingativas, ele pode tentar manipular a percepção da vítima, inventando verdades a ponto de incitá-la a perder totalmente o seu controle emocional. A expectativa é de que com isso ele tenha argumentos para acusá-la.

Se você já se encontra totalmente lúcida, a melhor coisa a fazer é se fingir de morta, deixar que ele fale o que quiser, afinal, a essa altura você deverá ter clareza de que ele é apenas um filme antigo que passou em sua vida. A realidade irá confirmar os fatos e o que mais importa é você poder seguir em frente retomando o seu bem maior, que é a sua própria vida, vivendo a alegria de ter se libertado.

????Quanto mais despertos, melhor!⠀

Silvia Malamud

A fala promessa do narcisista perverso

O narcisista perverso não suporta ver brilho fora dele. Qualquer pessoa que esteja por perto, numa relação mais próxima, ameaça a sua frágil percepção de si mesmo e, como o vazio interior é grande, a luz do outro deve ser apagada imediatamente. Isso não fica efetivamente em evidência porque ele sabe das leis de boa conduta e precisa, por sua característica narcísica, parecer “bem na fita”.

Uma de suas principais armas é a promessa de um relacionamento de fusão, ou seja, de compatibilidade absoluta seja em qual área for. Para tanto, o grau de sedução vai às alturas. Nessa fase, as promessas fazem o colorido das conversas e com isso ele vai descobrindo o que falta na vítima, onde dói e o que precisa ser suprido.

Após a entrega afetiva da vítima, quando se cai na ilusão de que as carências podem ser sanadas, o lado perverso aparece. De uma hora para outra, a vítima passará a ser criticada, nunca será suficientemente boa no que faz e nem como é. Juntamente com as críticas, uma ameaça sinistra de abandono fica pairando no ar.

As vítimas, uma vez fisgadas e com medo do abandono, esquecem-se de que há pouquíssimo tempo estavam autossuficientes em suas vidas e com o seu brilho próprio.

A solução para esse impasse está na consciência do lugar onde se está e no auxílio terapêutico para sair dessa trama de modo fortalecido - uma oportunidade de curar feridas emocionais escondidas, mas que gritam alto quando ativadas e não devidamente tratadas.

????Quanto mais despertos, melhor!

Silvia Malamud

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