A série MAID, da Netflix

[Contém spoiler]

A série Maid (Netflix) conta sobre um dos piores e mais devastadores tipos de abusos, atualmente consagrado tanto pela psicologia como pela psiquiatria como uma violência silenciosa e de difícil detecção.

A protagonista Alex vem de um lar disfuncional, com uma mãe bipolar não diagnosticada e, portanto, não tratada, distante e autocentrada. Ao longo da série, mesmo quando bem intencionada, essa mãe não consegue se conectar com a filha. Em seus surtos de mania, imagina-se como uma grande artista, sem noção da realidade e em negação de seus relacionamentos abusivos. Também podemos observar em sua personalidade um tom histriônico.

Alex, por sua vez, não tem ideia de que tem uma família disfuncional e abusiva. Desenvolve um excesso de zelo, cuidados e empatia com essa mãe, aprendendo a não se posicionar, a não ter desejos próprios e vivendo em função de ser mãe da própria mãe em busca de um pouco de paz e segurança. Ser conivente era a única saída para terem um mínimo de conexão. Os abusos que sofreu na infância se tornaram um modelo de referência de como ser, a ponto de Alex repetir cenários abusivos em seu próprio relacionamento afetivo.

Quando pensamos em transgeracionalidade de traumas e recursos, percebemos a história se repetindo. Alex também foge do lugar de abuso com sua criança, tal como sua mãe, porém busca ajuda, terapia e faz de tudo para ficar lúcida e alcançar seu propósito. Até despertar de fato, Alex só sabia viver e se submeter ao sistema agressivo de onde veio. Sua identidade estava baseada nisso e sentia a possibilidade de ser acolhida por seu abusador, acreditando que ele seria bom.

Abusadores perversos geralmente se sentem bem cuidando de quem está doente. Não à toa, Sean ajudou Alex a resgatar a mãe de um grave surto de mania, quando esta, impotente, nada conseguia fazer. A personagem se encanta com o ex depois de tanto acolhimento, acreditando que tudo poderia dar certo, sem perceber que sucumbia mais uma vez ao mesmo drama.

Algumas pessoas acusam Alex de ser mimada e não ter aceitado a ajuda de Nate, mas ela não conseguiria - estava com traumas severos e muitos gatilhos emocionais. Não sabia receber coisas boas, estava familiarizada com a dor e com o auto sacrifício. Quando algo bom se manifestava, Alex desconfiava, sentia-se confusa e não merecedora. Viveu sob violência doméstica, sofreu, sentiu medo e teve de ficar adulta precocemente.

Vítima de tramas abusivas, não recebeu amor e se via obrigada a oferecer tudo o que tinha de afeto e cuidados para o outro. Quando não fazia isso ou quando o outro não achava ser suficiente, sentia-se culpada, com medo de não receber o mínimo do que o outro tinha a oferecer, um imaginário de "lar quentinho", incapaz de perceber que esse lugar é e sempre foi ela mesma.

A série expõe, ainda, preconceitos e dramas relacionados às diferenças sociais e de classe - em especial na passagem de Alex com uma de suas patroas. As cenas trazem à tona a dificuldade de moradia e mostram como um lar disfuncional dificulta o desenvolvimento e os estudos. Por outro lado, também mostra a resiliência e bondade de uma rede de apoio, tão necessária para o ser humano.

????Quanto mais despertos, melhor!

Silvia Malamud

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